sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

GRITOS DE GEORGIANA.


Quem diria que numa tarde tão bela, tão cor de vento, minha vida se esvaia sem eu perceber... Quem diria que o desamor provocaria em mim tamanho ódio humano? Eu que era menina, eu que nem sabia amar... Eu, tão pura de brincar de roda, tão doce de apostar corrida, eu... Que tinha um mundo a desvendar entre cortejos e fascínios! Num simples piscar de inocência e amarrar de acordos perdi no meio da dança a única coisa que me era por direito assim que vim ao Mundo: liberdade. Como pude? Como puderam? Como...
Pessoas que eu desde sempre admirara! Agora mostravam a verdadeira fronte, a máscara esmagada na grama verde. Seres escoriados, desalmados, frios como o gelo da noite, rudes como a erva daninha que se alastra e ninguém percebe seu veneno! Que traíram minh’alma como Lúcifer traíra Jesus, que me escarraram na fuça a devassidão de um complô onde eu era a marionete tola, a marionete infeliz, sem escolha.
Agora não entendo mais nada; tudo se tornou um imenso borrão. Como uma tempestade que lava da terra os nutrientes mais raros e deixa cheiro de vazio molhado. Como as notas rápidas e embaralhadas de um Allegro, as quais não decifram nada e deixam tão somente o falso sentimento de felicidade.
Mataram-me em tudo... Tiraram o brilho que eu via na Lua, roubaram-me o amor que sentia e não sabia... Roubaram e eu não soube! O que tenho eu agora? O que me resta? O que...
Apego-me agora aos pequenos feixes de luz que adentram a janela de meu abrigo encadeado; repouso no colo absoluto dos filhos que gerei o pouco que resta de mim mesma, o pouco da graça que tinha em um tempo que não lembro mais... Filhos gerados com o líquido do mais puro desvario, da maior obrigação e falsidade, mas ainda assim... Meus.
Enxergo seus pequenos cachos como cordas que me levantam para encarar o dia; em suas incompreensíveis palavrinhas ouço conselhos que me evitam clamar injúrias verdadeiras na presença de seu fétido pai. Cada mãozinha com formato de nuvem aguça-me os sentidos de mãe e conforta minhas dores, conforta meu desespero, minha grossa perdição.
Quem sou eu? Alguém pode me dizer? Alguém pode me apontar? Alguém...
E o buraco sobrado é paciência. Paciência em levar a vida de outros nos ombros meus; paciência em mostrar a face recalcada como se a mesma fosse exemplo a próximas gerações. Paciência para deglutir risos, comentários e absurdos numa só noite, com uma boa faixa de maquiagem para ajudar na descida.
Em suma? Acredito que perdi a essência da vida e não irei encontrá-la nessa mesma; não nesse corpo, não nessa casa. Não pretendo procurar por ora outras distrações que me façam sorrir, não possuo mais a virtuosidade para tamanha sangrenta empreitada (sim, também na roubaram).
O resto? O resto é nada...