quarta-feira, 16 de novembro de 2011

VENENO E MEL

Estou pagando pra você me ouvir, então senta e escuta.

Senta que a história é grande e a roda não para de girar, aguarda só um pouco que eu só preciso acender a luz e esclarecer as ideias de dentro de mim.

Não, usa o divã você mesmo, eu não preciso deitar o corpo pra descansar a mente, não adianta de qualquer jeito... Dizem que os fantasmas aparecem no sono, não é mesmo? Os meus estão tão acostumados com o ambiente que me perseguem assim que levanto. Não, não quero que você levante, só quero que tire um pouco os fones de ouvido, desligue sua música fajuta e dê atenção ao meu organismo que grita por soluções verbais. Carnais, quem sabe, já não sei mais.

O fato é que estou em um transe profundo já não sei há quantos anos, uma espécie de reação alérgica, que vomita e bate e explode tudo aquilo que um dia pode-se taxar de amor, de um quase-afeto ou até mesmo de um carinho dificilmente palpável. O fato é que antes eu não sabia expressar as coisas coloridas que borbulhavam por dentro de mim... E agora eu não sei sentir. E essa fraqueza lateja em mim como aquele sexo meio amargo, deixado assim de lado. Essa coisa jogada de fora pra dentro, empurrada sem jeito e seca. E eu fico aqui, me sentindo como puta rejeitada, com gosto e cheiro de porra vazia na boca, porque aquele colorido, aquele colorido que eu sentia no estômago, sabe bem? Aquilo não existe mais. Nunca soube dizer o que era na verdade, mas tinha por mim que era melhor que qualquer droga, qualquer vício material que dos fracos se apossam; eu tinha a folia mais poderosa bem dentro de mim, assim de graça, que podia ser ativada a qualquer momento, e agia como bomba nuclear. É, eu sei que bombas são perigosas; mas eu gostava de arriscar. Porque valia a pena perder uma perna, o juízo ou a razão, porque eu era besta e criança mas eu tinha a inocência aflorada, e isso era combustível praquilo que os mortais chamam de felicidade. E de quem é a culpa, neném? Sei lá, a culpa é do presente, da consequência de todas essas voltas em parquinhos escrotos, que me deixaram tonta e me fizeram perder o sentido. A culpa é dessa marola salgada que não me deixar enxergar o sol, que me joga pra lá e pra cá e mostra que os ventos são brandos. Não são não, tá me ouvindo? Aqui sempre venta, e já vou avisando que a areia corta os olhos. Ou talvez... É, você tem razão; talvez a culpa é minha. Não, eu sei que você não disse nada, vocês ouvintes de merda nunca dizem nada mesmo; o fato é que já não tenho coragem de alugar meus amigos em botecos e estragar o prazer azul com uma garrafa de problemas azedos. Mas sim, a culpa é minha, desse pequeno espectro que criou anticorpos pra tudo aquilo que possa fazer bem a uma pessoa... E a medicina não resolve mais, o mantra, a umbanda, o candomblé, o judaísmo, budismo, a crença da puta-que-o-pariu-meu-Deus-me-acuda não serve pra isso tipo de caso. Porque na verdade, meu bem, Deus é supremo demais para que eu o perturbe com problemas que simplesmente não existem. E eu me culpo a pensar que meus pensamentos cheguem até Ele, sinto vergonha por preocupa-Lo com tamanhas cretinices, e entoar os cânticos angelicais pedindo asinhas pra sair daqui. Mas a verdade é uma chibata...E o sangue de tudo isso é que as pessoas me enojam facilmente, e as que me entorpecem feito poesia, meu corpo simplesmente rejeita... e o lixo, todo o lixo possível do mundo gruda no meu pé feito chiclete mascado. Gruda e não sai, e não sai de jeito nenhum, vê só? Então andam comigo pelas ruas escuras todos os cafetões, traficantes, todos os bombadinhos filhinhos de papai que não se enxergam, todos os ignorantes da terra, todos os machistas retrógados desgraçados, toda a massa fedorenta de jovenzinhos burros que passam o dia a falar mal do cú dos outros, quando o seu é mais arrombado que o caminho pra China. Ei, não levanta! Eu te paguei, é pra você ouvir tudo que eu tenho pra cuspir; não importa se te atingir na cara ou não, você pegou diplominha pra isso, não foi?O fato é que estou inerte nesse esquema de meias transas há tanto tempo, que quero fazer a roda parar. Estou farta de unhas imundas e cafés frios; mas toda vez que a vida me lança um belo par de olhos, cabeça aberta e corpo quente, meu eu-amargo repele, e o prazer vai embora... E não volta mais.

E agora... Agora eu pago pessoas que não conheço pra ouvirem meus problemas de merda, enquanto elas fingem que ouvem e pensam no enlatado do jantar. Agora eu falo com você e nem sei no que isso vai ajudar, porque docinho, a roda nunca para não é mesmo? E as crianças só ficam nos olhando lá de cima; olham, e riem por sermos tão boçais, tentando nos equilibrar em salto alto e passar batom na cara. Agora nós que somos os palhaços, percebe? Incapazes sequer de viver numa cordinha bamba, a meio palmo do nariz. Incapazes de fazer-se rir com suas próprias pilhérias e patacoadas. Haha, agora entendo porque palhaços assustam os inocentes! Mas bem, vejo que você não para de olhar o relógio e isso me irrita profundamente; pode voltar pro seu cubículo obscuro, e lamuriar suas próprias injúrias pra parede da cozinha. Afinal, o parque está aberto, não é doutorinha? Ou melhor, se estiver muito entediada na sua profissão de engolir lontras, compra um ticket pro circo da frente e entra lá pra assistir a surra nos bichos... A dor é agridoce.