Me toca lá no
fundo a situação de eu ser tão íntima de mim quando a arte me vem falar no
ouvido e tão afrouxada e inconsequente quando os instintos me batem mais adentro. Aquilo que a gente chama de vontade
própria se perde constantemente; não pelo fato de ela não existir e sim pelo
fato dela se tornar tão latente e tão vividamente presente dentro do meu ser
que ela se estabelece como vontade própria de si mesmo e acaba me perdendo por
inteira. Talvez isso aconteça porque estou cada vez mais consciente da minha
condição de árbitra sobre a minha própria vida... O que me confunde, porque se
a dádiva que os céus nos espichou na cara e nas entranhas é a de termos o livre
arbítrio para decidir sobre as coisas, meu ser deveria obrigatoriamente me
deixar livre de mim, para que eu tomasse as minhas próprias escolhas, sem que
lá dentro de mim o apito estivesse soando quando cometo alguma falta. Na
verdade Deus é um cara muito esperto, porque Ele me deu o livre-arbítrio
mascarado e colocou por dentro dos meus ossos, da minha boca e das minhas
crenças a tal da Consciência: aquele zumbido que parece sair dos travesseiros e
fica tiritando pelos nossos cabelos as coisas das quais fizemos e Ela
desaprova. A Consciência tem vontade própria, tem o livre arbítrio de Deus para
me julgar e barrar as minhas outras vontades, que por serem tão grandes assumem
própria vontade-própria e me explodem em absorta confusão. Mas estou fugindo do
ponto aonde queria chegar (essa história de vontades e não vontades me rende
outro falatório a parte deste): O que eu quero dizer, no final das contas, é
que quando estou em contato com a arte meu ser se mergulha em bálsamo e todos
os seres inquisitivos que moram dentro de mim adormecem. É quando eu consigo,
por frações de segundo, olhar pra dentro, bem dentro de mim e sentir a
pasmicidade do reencontro, depois de sentir tanta saudade de mim. E aí meu
espírito pula feito criança, quer rebolar, saltitar, fazer-se visto! Já que na
maior parte do tempo ele se esconde frouxinho atrás de tantas vontades querendo
se valer por cima das outras. Não que essas outras vontades não sejam boas, são
sim; elas rumam minha vida de um jeito sinuoso e brincalhão que no fundo eu sei
que gosto de ser. Mas a brancura da minha existência, a razão de eu estar
dentro de mim só se faz altiva quando em contato com a arte, essa que consegue
ser tão perspicaz e que ninguém consegue tangê-la de fato; e ela brinca comigo
e se esconde por detrás dos meus caminhos de uma maneira que me dá cócegas de
inquietação. É nessas horas que meu corpo se alerta às dicas dela e tento pegar
em seus cabelos; são nesses pequenos surtos de lucidez (a que os loucos
chamariam de insanidade ou abobrinhas) que a minha espinha se eriça e eu
consigo falar pra mim mesma o que acontece dentro de mim... Até o momento em
que minha mente se cansa de segurar a Consciência no sono pesado e ela vem
algazarreando tudo de novo de cima abaixo. Aí eu me afrouxo novamente e me
deixo levar pelos dias e pela contagem tosca que a minha Consciência faz dos
meus ganhos e acertos, dos meus fracassos e feitiços, tudo sempre metodicamente
planejado e escancaradamente anunciado pra mim mesma diariamente, sem que eu
tenha tempo de pensar por vontade própria se estou certa ou não. Agora, por
exemplo, leio esse texto e me parecem abobrinhas.