quarta-feira, 22 de setembro de 2010

RETRATO


Eu moro ao lado de uma igreja.
Isso me irrita, pois não é justo ouvir sempre os mesmos coros com músicas que no fundo ninguém sente de verdade, que no fundo ninguém entende. Mas uma coisa é boa: os sinos. De hora em hora eles tocam pra me lembrar de que a vida ainda respira, pra dar um tranco e me fazer voltar ao normal.
O sino tocara a segunda vez aquela tarde. Dessa vez, com preguiça de levantar, fiquei enrolando os cabelos e as pernas entre travesseiros, amargando meu dia com pensamentos da semana passada, do mês passado, de anos que mal parecem ter acontecido. Isso não alegra as pessoas da casa.
Meu pai, homem maduro - em todos os sentidos cabíveis – decidido e generoso, é um exemplo forte dos que lutam contra minha apatia caseira. Naquela tarde, entrara em meu quarto como já fizera tantas vezes, para me dar uma bronca de abaixar orelhas e me lembrar de que já não sou mais uma menina... Ótimo, mais um problema.
Discordo de quem diz que a vida na adolescência é a mais difícil de lidar; geralmente quem diz isso é que ainda é adolescente... Não, não: depois piora. Se você que está lendo é irritantemente sensível, frágil e pensativa, dramaticamente dramática, explosiva e também implosiva, saiba que depois as coisas sempre pioram. Mais pra frente, você verá que os problemas obtidos na época em que lhe apareceram pelos pubianos, só vão coçar e ficar maiores; não importa o quanto tente arrancar de si, a raiz está incrustada em sua derme, e não vai sair.
Além disso, vê-se a nítida e crescente responsabilidade enquanto ser humano: a de não desapontar as pessoas, a necessidade de encontrar rapidamente um rumo na tua vida, e segui-lo. A de crescer em todos os aspectos, mesmo que em alguns deles você ainda seja a mesma bobinha chorona que pede conselhos aos ursinhos ganhados no último natal.
Pois bem, após o discurso de como eu não servia para nada, fui realizar as tarefas domésticas, e uma delas era cozinhar um sorriso no rosto do meu pai. Comecei visualizando meu quarto e percebi que eu estava a externalizar meus sentimentos: uma saleta com cara de foto 3x4, sem graça e existindo por mera convenção; livros jogados, cheiro de mofo, escuridão, cama bagunçada com o lençol do mês retrasado. Just like my heart.
Me senti uma assassina. Como eu podia deixar tudo aquilo à vista de todos, matar a felicidade alheia com a minha derrota? Como eu tinha coragem de compartilhar toda a confusão instaurada há não sei quanto tempo na minha cabeça miúda e estúpida, com as pessoas que amo? Com as poucas que me mostram o mesmo...
Eu estava fazendo a mesma coisa que fazem comigo; fazendo das pessoas, cinzeiros! Jogando tudo que há de ruim pra fora; depositando as cinzas de um trago mal dado em quem detesta cigarros. Eu estava empesteando o dia-a-dia alheio com cheiro de amor mal resolvido, e eu nem me importava com o efeito que a droga causaria nas pessoas.
Continuei a inspeção ao redor e dentro de mim e avistei uma teia de aranha. Meu coração clamou por reformas... Tirei um cigarro do bolso surrado, traguei profundamente e comecei a faxina.

Um comentário:

blur disse...

Aquela velha coisa de gritar "já vou jantar mãe" e secar as lágrimas antes de sair com um sorriso no rosto.