quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Da metalinguística emotiva.



Noite quente, lufadas de ar desconfortáveis... A mente divaga. Sento em frente à mesa surrada de marfim, encosto a cabeça sobre os pensamentos e desabafos espalhados por entre canetas e lembretes... E nada. Faço nada que esforce o corpo cansado, o rosto branco e suado após horas de trabalho obrigado.

Porém, perto de mim, percebo um caderno. O caderno mais velho, batido, usado e querido que possuo desde não me recordo mais. Ele me encara com suas folhas quase marrons; não possui mais capa e sua mola desponta para além dos dois extremos do material. Molas enferrujadas, vividas, fatigadas. Senti no momento carinho extraordinário por aquele singelo e enrustido pedaço de metal. Aproximei-me do mesmo e senti que tinha um cheiro... Cheirava a mim. Cheirava estafa, azedume. Cheiro de mola.
Levantei-me curiosa e, ao aproximar o pequeno caderno ao meu rosto, a imagem refletida – por um velho espelho apagado – foi nada menos que duas de mim.
Duas formas acabadas e amargas. Metal e humano, sem distinção entre os mesmos. Eu, tão matéria-morta, tão incapaz de expressar uma única sílaba, quiçá um mínimo grunhido. E a mola, parada ao meu lado, contemplando minha estupefata consternação.
O estalo veio num intervalo de tempo tão curto que as pernas vacilaram. Sentei na cadeira mofada, o suor escorrendo pelas bochechas, agora escarlates pelo fervor de minha consciência.
Minha alma quis falar. Os dedos ajudaram. Escrevi.
Há pessoas que nos acham meras molas: que adoramos ser contorcidos, enrolados, e nos pegam por entre os dedos fazendo brincadeiras de vai-e-vem. Vamos! Brinque mais um pouco! Diga que sou a mais bela das molas, que qualquer caderno gostaria de me ter como estrutura, que fichários, brochuras e outras molas morrem de ciúmes de mim. Faça minha mente redonda ir e voltar, ir e voltar, tão sem controle...
Mas que mãos são essas que zombam com criaturas tão bobas como as molas? Que alfinetam, deformam e as pressionam para que se sintam, ainda que conturbadas, excepcionais?
São mãos mal resolvidas. Mãos traumatizadas por terem cortado tantas vezes os dedos finos no papel, e que usam as feridas como bloqueio, e o bloqueio sangrento como desculpa para perder-se em vida de objetos apalpar simplesmente. Mãos que se entrelaçam uma na outra e não abrem novos livros, não lêem ou escrevem novas histórias, não vivem; mas estalam os dedos com imaturidade e inconsciência quando é hora de brincar com as molas.
Há dias que meu corpo elástico tem resistido. Estico-me e me encolho a cada palavra solta demarcada pelo movimento de suas escolhas. Enrijeço quando a brincadeira cansa, mas constantemente me vejo de novo como suporte para suas mãos descompromissadas... Quem me dera ser palavra, ser ato!
Quero ser a lira que desenlaça e embaraça a vida de alguém, quero mudar ambientes, mergulhar em romances misteriosos, e criar capítulos para minha própria vida borrada.
Não mais mola, caneta ou papel. Não mais prólogo.
Serei começo, meio e fim.
Serei seu clímax.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Sobre vielas, anjos e despertadores.



Levanta-te! Mais um dia.


A semana se arrasta em fios de linho mofado que se bifurcam em incansáveis horas de tédio e estafa estática. Olho para lá e para cá, procuro papéis em branco, escrevo meu nome de todas as formas possíveis; meus olhos deparam-se com o relógio: passara-se um minuto. Assim minha vida adolescente, de dramas mínimos e espinhas causadoras de ascos constantes, torna-se quase delével. O ar que gira em volta de meus pulmões encontra-se turvo, pesado e fedido. Minha mente, tão corrosiva para com meus próprios pensamentos, fecha-se em provas, testes, questões irresolutas, matérias diminutas e assuntos bobos de colegial.

Mais um dia.

Sinto que mui freqüentemente minha alma divaga, exorcizando-se de mim mesma, saindo do poço de confusões e perda de amores. Minha alma corre para o coração, onde minha mente também deveria estar. O coração, preferindo resguardar os últimos sentimentos verdadeiros que lhe restam, se oculta dentro de meu pequeno corpo, e perco-o de vista. Alma e coração perdidos.

Mais um dia.

O afobamento da vida, das pessoas, do comércio, indústrias e tecnologias afoga-nos em seu mar de consumismo, de ignóbeis polêmicas e assuntos baratos vendidos em butecos de esquina. Nessas esquinas, homens procuram saídas, e acham entradas para a perdição de seus anjos. Procuram o número da sena, o próximo capítulo da novela das oito, procuram em catálogos o próximo moderio. Distrações mundanas. Futilidade humana. O transcendentalismo, o diferente, o inovador vira pó.

Eu, porém, procuro a mim.

Pergunto a mendigos, amigos, desconhecidos: onde anda minha alma? Aquela que dança, grita, anima, aconselha, cospe, xinga, saltita, interpreta, sente, vive, chora, pula, tirinta,tilinta, teme, sofre,emociona e se emociona... Tem a visto por aí? Se a virem, diga que, por favor, volte para mim!

Mas os olhos fora de órbita nada falam, pois mui provavelmente também perderam suas almas.

Meus olhos deparam-se com o relógio: outro minuto...

sábado, 21 de novembro de 2009

Introretrospectiva




Poço escuro, beco do mundo,
Ossos roídos, corações imundos,
Mente inundada, alma perdida,
Ache a saída. Ache a saída.

Blém, blém.

Um túnel! Fortúnio.
Hipnose, magnetismo,
Achada a saída, delira...
Palavras terceiras,
Mente dançante, vacila.
Um tiro no escuro,
Sangue, chão duro, alma caída.
Cure a ferida. Cure a ferida.

Espinho ferroso,amor melindroso,
Melancolia. Azia. Agonia.
Fossa absurda! Tome partida,
desista da vida. Desista da vida.


Não.
Tic-tac. Tic-tac.

A música, a lira, o belo.
Encanto expresso, singelo.
Voz de veludo, achado entre tudo,
Um canto profundo, sentimento soturno.

Engano, lástima, troca,
Afunda em onda ignota,
Perdida, partida, sentida. Vamos,
Outra saída. Não acha a saída.

Tic-tac, tic...

Reta final! Penumbra fatal,
Amor ideal, paixão carnal.
Conturbação, inércia... explosão.
Tudo dentro, tudo fora... Confusão.

Idéias cobiças, intrigas, carícias.
Liras de fogo, respostas no frio...
Propostas difundem, oscilam, vacilam,
O ego retorna pro corpo vazio.

Blém, blém.
Fim de jogo.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

[Poema de sete faces]



Escrevo, descrevo, rabisco, pontilho,
pinto, borro, mancho, corrijo...
Minha vida, como fúria de vulcão adormecido,
Inquieta-se quando a vontade é expandir,
Gritar, fazer acontecer.
Eu, tão eu,
tão consciente da incerteza de mim mesma,
escrevo liras a fio, versos de véu e espinho,
amores, ilusões, carinhos.
Eu, pequena-grande no meio da massa sem nada dentro,
A massa que urra, ruge, cacareja, e nada fala.
Minha existência, tão ávida por mudanças, estala:
Louca e delirante corre os dedos por entre papéis,
procura fatos, atos, gestos, cantos...
Qualquer resquício de esperança batida,
Que aquiete o coração e poupe suas unhas de serem roídas.
A procura constante, descontínua, intrigante.
Rôo, corrôo, destruo, construo, convalesço...
Na eterna repetição de quem se arrisca,
Traço linhas sem régua em meu caderno surrado.
Eu, tão eu e muito só,
Ávida e tácita,
Franzina e leão,
Algodão e areia,
Quente e gélida,
Criança, menina, mulher, todas elas.
Tudo dentro de mim, misturando-se dentro de mim,
Conturbando todo meu ser, inflamando todo meu ser.
Tão eu, o tudo, tão nada.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Hipérboles Natalinas e um punhado de verdades.



O fim de ano chega, as luzes ascendem e a hipocrisia rola solta. Mesquinhidades caminham pelo calçadão no fim de tarde olhando vitrines idênticas, que mostram não mais do que a massa pretende adquirir.Tanto vermelho, tantos presentes! Tudo encanta... O que meus olhos procuram, porém, oculta-se entre roupas e catálogos; oculta-se no meio do mesmice diária, e, ainda, faz-se destaque.
O que a alma grita em ardor, o que a boca seca em tanto calar e não nega, é uma só: você. Sem laços, fitas e cartão de entrega. Nada de adereços para lhe fazer mais belo; somente sua alma, sua calma, sua brisa. Seu perfume enroscando com o meu em abraços e laços (de afeto); tua fala límpida e obscura – sempre tão misterioso – e o gosto que poucas vezes provei. Quero-te por inteiro, sem mais ou porquê... Que teu calor confunda minha respiração de prazer. Desejo sua fala doce, palavras tácitas e hipnotizadoras, e sua voz... Ah, sua voz! Que embala minhas noites aonde quer os pés me levem. Tudo isso, e só, para que teu Espírito aquiete o meu em noite de comer peruTeu tempo pra mim como presente por ter me comportado, por ter calado, respeitado e evitado correr atrás da ambição que há pouco percebi que tinha. O fim de ano chega, as luzes ascendem e faço um pedido.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

TROCA

Antes, ossos rangiam com a neve que cobria seus pensamentos.
O frio martelava seus cabelos, rasgava sua pele e fazia-a gritar por calor.
Agora, o fogo a queima impetuosamente,
a areia arde-lhe os olhos e a lufada de vento quente traz consigo a decepção.
Por que a menina com nada se contenta?
Pois se é frio, põe-se a chamar Sol.
Se é chama, grita por entre dentes secos que o mar carregue consigo o ardor carregado da alma!
Poseidon, porém... Nada escuta.
As estações mudam e com elas folhas franzinas se vão...
Mas frutas começam a apodrecer.
Aquele doce morango que, achava a menina, estava quase no ponto e pulava no galhinho por ser colhido,
cai de podre.
Ah, pois...
No verão muita coisa se mistura
se esbanja
       se confunde
                 e aparece.

Pernas aparecem com o verão!
Elas andam para lá, e para cá, para lá, para cá,
Para lá, para lá....                                                           bem para lá...
Pernas chamam a atenção.
E com elas, as tendências!
E com essas, a futilidade: trenzinho que trás num de seus vagões sujos e engordurados de vergonha um par de verdes como bambu, que cega o urso (tão amável no inverno) e confunde a menina-coração.

Ela devia saber, devia notar. Suas sardas e cabelos, doce como algodão - diziam já outros ursos – e seus olhos espertos, atentos, sua mente inteligente – tudo diziam já outros algodões – sempre acabava perdendo para um magro e verde bambu.
Bambu oco,
seco,
sem vida.



Por que então, menina-coração?