sexta-feira, 31 de maio de 2013

Chorinho bom

Está frio, muito frio. É um costume dessa cidade, gelar as ruas, apressar os carros e confundir as pessoas. E eu, miniatura dentro da maquete, tenho uma porção de coisas a fazer que me disseram que eu deveria fazer por que é assim que as coisas são; e assim elas disseram pois alguém as disse que assim elas deveriam dizer, porque é assim que as coisas são. Trabalhar pagar contas lavar a louça estocar comida receber ordens reprimir o sono lavar as partes se alimentar limpar a casa rolar na cama ver tv escovar os dentes colocar roupas tomar sol acreditar nas pessoas não ter filhos antes da hora e tantas outras coisas que a vontade mais íntima que está coladinha comigo debaixo dos panos se encolhe e fica com medo de sair. Minha vontade vermelha é você. Você batendo na minha porta fria neste exato momento, com a pele clara, os olhinhos doces por debaixo dos óculos, o casaco preto escondendo o corpo rijo. Encostar minha boca na sua e sentir seu gosto de menta, seu gosto fresco e novo, e juntar minha saliva na sua selando a aproximação. Te arrastar escada acima, te acomodar dentro da casa e me acostumar com essa imagem como se ela fosse um retrato antigo; como se você sempre estivesse ali,  uma escultura deitada na cama que se move, me pega pela cintura e me faz cócegas.

E então, se essa vontade tivesse vez, se as obrigações não me gritassem urgentes por serem consumidas, nossos braços e pernas se enrolariam, confundindo as calças e os sapatos; e seria unha, carne e cabelo pegando, gemendo, amarrando, lambendo, batendo, arranhando, beijando e vivendo numa comunhão exata. A camisa voaria pra perto da janela que dá para a sacada, as meias emboladas nos lençóis, meus cabelos embolados nos seus dedos, a língua molhada fazendo caminhos no corpo todo, arrepiando os ossos e tirando suspiros das paredes. E a gente iria, pouco a pouco, na paz e na serenidade de sermos o que somos, descobrindo novas curvas em cada um; novas pintas, novos cheiros, novos sabores e novos ritmos emanando de todos os lugares de nós. Pularíamos todos os carnavais que há entre as coxas, dançando o gozo e rodopiando a vida até dar tontura boa. E eu iria, pouco a pouco, apagando os carros os livros as folhas os ares as vezes e todas as vezes que eu quis você e ter você não deu. Das vezes que a vontade se encolheu.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

SAMBINHA

 

Só queria comentar, assim,
 já no resbalo do fim de hoje,
que suas covinhas estão
me guiando as horas do dia.
 
 E que seu jeito bobinho,
assim, sem jeito e faceiro,
 faz meus pelos rirem e
minha mente descansar.
 
 Por que, por que será? Assim, bem de repente?
 Na verdade, bem verdadeira, não me importa a razão tanto assim.
 
Amanhã o galo toca,
 eu deixo minha cama,
pulo em minhas botas,
e vou te encontrar.

 
E aí que o dia começa,
 as covinhas a tirintar.
E aí meu riso se abre, assim,
 que nem agora.
 
 Por que será, por que isso agora?
Verdade bem verdadeira, eu não quero nem pensar.
Só quero curtir a demora do tanto esperar,
Até que chegue a hora das covinhas me tocar.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Quando danço


Me toca lá no fundo a situação de eu ser tão íntima de mim quando a arte me vem falar no ouvido e tão afrouxada e inconsequente quando os instintos me batem mais  adentro. Aquilo que a gente chama de vontade própria se perde constantemente; não pelo fato de ela não existir e sim pelo fato dela se tornar tão latente e tão vividamente presente dentro do meu ser que ela se estabelece como vontade própria de si mesmo e acaba me perdendo por inteira. Talvez isso aconteça porque estou cada vez mais consciente da minha condição de árbitra sobre a minha própria vida... O que me confunde, porque se a dádiva que os céus nos espichou na cara e nas entranhas é a de termos o livre arbítrio para decidir sobre as coisas, meu ser deveria obrigatoriamente me deixar livre de mim, para que eu tomasse as minhas próprias escolhas, sem que lá dentro de mim o apito estivesse soando quando cometo alguma falta. Na verdade Deus é um cara muito esperto, porque Ele me deu o livre-arbítrio mascarado e colocou por dentro dos meus ossos, da minha boca e das minhas crenças a tal da Consciência: aquele zumbido que parece sair dos travesseiros e fica tiritando pelos nossos cabelos as coisas das quais fizemos e Ela desaprova. A Consciência tem vontade própria, tem o livre arbítrio de Deus para me julgar e barrar as minhas outras vontades, que por serem tão grandes assumem própria vontade-própria e me explodem em absorta confusão. Mas estou fugindo do ponto aonde queria chegar (essa história de vontades e não vontades me rende outro falatório a parte deste): O que eu quero dizer, no final das contas, é que quando estou em contato com a arte meu ser se mergulha em bálsamo e todos os seres inquisitivos que moram dentro de mim adormecem. É quando eu consigo, por frações de segundo, olhar pra dentro, bem dentro de mim e sentir a pasmicidade do reencontro, depois de sentir tanta saudade de mim. E aí meu espírito pula feito criança, quer rebolar, saltitar, fazer-se visto! Já que na maior parte do tempo ele se esconde frouxinho atrás de tantas vontades querendo se valer por cima das outras. Não que essas outras vontades não sejam boas, são sim; elas rumam minha vida de um jeito sinuoso e brincalhão que no fundo eu sei que gosto de ser. Mas a brancura da minha existência, a razão de eu estar dentro de mim só se faz altiva quando em contato com a arte, essa que consegue ser tão perspicaz e que ninguém consegue tangê-la de fato; e ela brinca comigo e se esconde por detrás dos meus caminhos de uma maneira que me dá cócegas de inquietação. É nessas horas que meu corpo se alerta às dicas dela e tento pegar em seus cabelos; são nesses pequenos surtos de lucidez (a que os loucos chamariam de insanidade ou abobrinhas) que a minha espinha se eriça e eu consigo falar pra mim mesma o que acontece dentro de mim... Até o momento em que minha mente se cansa de segurar a Consciência no sono pesado e ela vem algazarreando tudo de novo de cima abaixo. Aí eu me afrouxo novamente e me deixo levar pelos dias e pela contagem tosca que a minha Consciência faz dos meus ganhos e acertos, dos meus fracassos e feitiços, tudo sempre metodicamente planejado e escancaradamente anunciado pra mim mesma diariamente, sem que eu tenha tempo de pensar por vontade própria se estou certa ou não. Agora, por exemplo, leio esse texto e me parecem abobrinhas.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Ao pé do ouvido

Meu bem, eu já estou cansada de olhar pros seus olhos caídos e tentar pela última vez (e dessa vez i mean it) ser doce contigo; o relógio vai cambalhotando pelos dias e eu já não tenho as dores e os truques suficientes para me fingir feliz perto da sua presença que não me apraz. Sabe, querido, as ruas e rugas correm pela gente cheia de cabelos negros iguais aos seus, de olhos amendoados e bobamente felizes iguais aos seus, que me fitam agora, perplexos. Você não é o único, doçura, de corpinho maroto e bundinha arrebitada, você não é o único rei da parada (estou cansada de reis!); por isso não pense que teu copo de cerveja e tua saliva colada nos meus ouvidos causam algum grande efeito que me mantenha calada e estupefaça aos teus encantos mesmícios. Hoje em dia eu só tenho uma condição, piá: que você vire sua rotina every now and then e cheire o meu cabelo; que você me conte sobre o seu dia sem segundas intenções, e que pergunte sobre o meu com interesse de criança pequena. Que, às vezes, saiamos pra carnavalizar os gestos, verbalizar na rua coisas que engravatados não entendem; que derrames em mim no fim de semana o vinho sobre o corpo, e que me tomes feito bebida sagrada. Que me tomes com respeito e gozo. Que queiras mais que chupar minha cute feito lollipop, si? Porque isso, meu bem, não transcende. Isso não vibra nem surpreende; isso apenas cumpre o papel animalesco de sermos o que somos: Vorazes. O que nos falta é aquilo que me foge da memória, por não ter batido na minha porta há tanto tempo. E é isso que eu quebro, boy, trincos quebrados, perder a fechadura. Quero que enxugue a podridão dos quartos e das salas. E que seja intenso.
Portanto, só pra resumir nossa conversa, já que seus olhinhos estão tão exprimidos pra tentar entender o que eu te digo que chega a dar dó, se não puder me dar o que eu quero, faça ao menos a gentileza de cair fora. Se afaste, guy.  Afaste-se com seus dedinhos faceiros e conversas (a)fiadas; sai pra lá com seus vocativos carinhosos, que te evitam o desprazer de errar meu nome. Se afaste com elegância, não deixe marcas de barro molhado sobre a casa; não saia arrastando correntes ou parafraseando discursos românticos de livretos que lestes pro vestibular, eu os conheço. Cresça, meu bem. Deixe a barba e o caráter vir, que junto vem a doçura, a magnitude do ser e aquela responsa que os adultos sempre nos disseram ter. Do contrário, feche a porta que não temos mais porque conversar, piá. Goodbye.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

APEGO



Espera!

Pára só um pouco e fica aí mesmo onde está agora.

Você está percebendo? O som, as luzes, o cheiro... Como não? Eu consigo quase ver as cores do som que teu corpo faz quando está perto do meu. Como não ouve nada? Escuta, bem de perto... Sente aqui o cheiro das minhas palavras, toca as formas e os cabelos, beija meu nariz, que talvez você sinta algo... Não é possível que só eu sinta a alquimia embolada em nossas pernas; não posso eu ser a única a ouvir nosso querido e próximo Dionísio nos chamando para a celebração eterna das carnes e do sangue!

Escuta... Ouviu? Pega na minha mão, vê como ela se encaixa tão bem na sua, tão dispares e harmoniosas; eu sempre gostei da sensação do charme dentro do desajeito... Até meus ossos fazem barulhos esquisitos quando estão rígidos, apaixonados pelos seus dedos! E meus pêlos, os pêlos do corpo todo se arrepiam com o suor teu; não vê? Ariadne está perto de nós enrolando-nos em fios de linho, nos salvando do labirinto do tédio. Sente o vinho molhando nossos olhos, sente o gosto da uva minha que passa pra língua tua. Ouve, ouve os gemidos que saem de dentro de mim, de dentro de mim tão vergonhosos procurando desesperadamente pelos ouvidos teus, para que não se percam.

Ainda nada? Por Deus! Chega mais perto, então... Sim, ainda mais perto do que já estamos. Vem, pulsa comigo! Que se confundam os braços, os rostos, as nádegas e faringes; que se confundam as almas. Vamos, morda os ventos que entram pela janela, e assopre-os no meu pescoço, eriçando a minha espinha! Derreta o mundo a tua volta, ascenda uma vela perto de nós, sente a cera nos grudando, nos unificando e inundando o mundo de Mundo! Percebe agora?... Calma, estou quase vendo a linha.

E agora?

... E agora?

Agora sim. Agora nós.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Canção para entender (meu) mundo

SOZINHA, no mundo eu


danço. Me compassam

as Rimas,

Me aliviam

os Versos

Me engrandecem a Alma.



Me tonteiam os pobres

Me esclarecem os Poetas.



MUNDO, Me acompanha

nesta Lira! Tira os sapatos,

e roda comigo ao som

do Delírio.

Me concordam os Loucos,

Me acordam os Músicos,


Me acompanham os Solos,

Me entende a Arte, SOZINHA.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

VENENO E MEL

Estou pagando pra você me ouvir, então senta e escuta.

Senta que a história é grande e a roda não para de girar, aguarda só um pouco que eu só preciso acender a luz e esclarecer as ideias de dentro de mim.

Não, usa o divã você mesmo, eu não preciso deitar o corpo pra descansar a mente, não adianta de qualquer jeito... Dizem que os fantasmas aparecem no sono, não é mesmo? Os meus estão tão acostumados com o ambiente que me perseguem assim que levanto. Não, não quero que você levante, só quero que tire um pouco os fones de ouvido, desligue sua música fajuta e dê atenção ao meu organismo que grita por soluções verbais. Carnais, quem sabe, já não sei mais.

O fato é que estou em um transe profundo já não sei há quantos anos, uma espécie de reação alérgica, que vomita e bate e explode tudo aquilo que um dia pode-se taxar de amor, de um quase-afeto ou até mesmo de um carinho dificilmente palpável. O fato é que antes eu não sabia expressar as coisas coloridas que borbulhavam por dentro de mim... E agora eu não sei sentir. E essa fraqueza lateja em mim como aquele sexo meio amargo, deixado assim de lado. Essa coisa jogada de fora pra dentro, empurrada sem jeito e seca. E eu fico aqui, me sentindo como puta rejeitada, com gosto e cheiro de porra vazia na boca, porque aquele colorido, aquele colorido que eu sentia no estômago, sabe bem? Aquilo não existe mais. Nunca soube dizer o que era na verdade, mas tinha por mim que era melhor que qualquer droga, qualquer vício material que dos fracos se apossam; eu tinha a folia mais poderosa bem dentro de mim, assim de graça, que podia ser ativada a qualquer momento, e agia como bomba nuclear. É, eu sei que bombas são perigosas; mas eu gostava de arriscar. Porque valia a pena perder uma perna, o juízo ou a razão, porque eu era besta e criança mas eu tinha a inocência aflorada, e isso era combustível praquilo que os mortais chamam de felicidade. E de quem é a culpa, neném? Sei lá, a culpa é do presente, da consequência de todas essas voltas em parquinhos escrotos, que me deixaram tonta e me fizeram perder o sentido. A culpa é dessa marola salgada que não me deixar enxergar o sol, que me joga pra lá e pra cá e mostra que os ventos são brandos. Não são não, tá me ouvindo? Aqui sempre venta, e já vou avisando que a areia corta os olhos. Ou talvez... É, você tem razão; talvez a culpa é minha. Não, eu sei que você não disse nada, vocês ouvintes de merda nunca dizem nada mesmo; o fato é que já não tenho coragem de alugar meus amigos em botecos e estragar o prazer azul com uma garrafa de problemas azedos. Mas sim, a culpa é minha, desse pequeno espectro que criou anticorpos pra tudo aquilo que possa fazer bem a uma pessoa... E a medicina não resolve mais, o mantra, a umbanda, o candomblé, o judaísmo, budismo, a crença da puta-que-o-pariu-meu-Deus-me-acuda não serve pra isso tipo de caso. Porque na verdade, meu bem, Deus é supremo demais para que eu o perturbe com problemas que simplesmente não existem. E eu me culpo a pensar que meus pensamentos cheguem até Ele, sinto vergonha por preocupa-Lo com tamanhas cretinices, e entoar os cânticos angelicais pedindo asinhas pra sair daqui. Mas a verdade é uma chibata...E o sangue de tudo isso é que as pessoas me enojam facilmente, e as que me entorpecem feito poesia, meu corpo simplesmente rejeita... e o lixo, todo o lixo possível do mundo gruda no meu pé feito chiclete mascado. Gruda e não sai, e não sai de jeito nenhum, vê só? Então andam comigo pelas ruas escuras todos os cafetões, traficantes, todos os bombadinhos filhinhos de papai que não se enxergam, todos os ignorantes da terra, todos os machistas retrógados desgraçados, toda a massa fedorenta de jovenzinhos burros que passam o dia a falar mal do cú dos outros, quando o seu é mais arrombado que o caminho pra China. Ei, não levanta! Eu te paguei, é pra você ouvir tudo que eu tenho pra cuspir; não importa se te atingir na cara ou não, você pegou diplominha pra isso, não foi?O fato é que estou inerte nesse esquema de meias transas há tanto tempo, que quero fazer a roda parar. Estou farta de unhas imundas e cafés frios; mas toda vez que a vida me lança um belo par de olhos, cabeça aberta e corpo quente, meu eu-amargo repele, e o prazer vai embora... E não volta mais.

E agora... Agora eu pago pessoas que não conheço pra ouvirem meus problemas de merda, enquanto elas fingem que ouvem e pensam no enlatado do jantar. Agora eu falo com você e nem sei no que isso vai ajudar, porque docinho, a roda nunca para não é mesmo? E as crianças só ficam nos olhando lá de cima; olham, e riem por sermos tão boçais, tentando nos equilibrar em salto alto e passar batom na cara. Agora nós que somos os palhaços, percebe? Incapazes sequer de viver numa cordinha bamba, a meio palmo do nariz. Incapazes de fazer-se rir com suas próprias pilhérias e patacoadas. Haha, agora entendo porque palhaços assustam os inocentes! Mas bem, vejo que você não para de olhar o relógio e isso me irrita profundamente; pode voltar pro seu cubículo obscuro, e lamuriar suas próprias injúrias pra parede da cozinha. Afinal, o parque está aberto, não é doutorinha? Ou melhor, se estiver muito entediada na sua profissão de engolir lontras, compra um ticket pro circo da frente e entra lá pra assistir a surra nos bichos... A dor é agridoce.