quarta-feira, 29 de setembro de 2010

ampulheta

Em que espelho ficou perdida a minha face?


Eu conto as voltas do ventilador,
As gotas que pingam na pia.
Adianto o relógio para me enganar da dor.
Me afogo por horas em banheira fria.
Eu leio o mesmo livro infinitas vezes,
Escrevo e apago versos mal feitos.
Eu sento na sala escurecida pelo breu de seus olhos,
Na sala fria e atormentada pela sua presente ausência...
E nada.
Eu tiro o pó do guarda-roupa, desenlaço nossas roupas
Sento na escada te esperando bater à porta.
Deito, levanto, bebo feito louca
Abafo com risos a solidão que corta.
Respondo teu silêncio com cartas negras.
Eu queimo as semanas como se fossem papeis velhos,
Eu desconto no travesseiro a raiva de dias amargos,
Eu conto até dez e abro os olhos... E nada.
Eu checo o correio por notícias tuas,
Pico lembranças, escondo nossas fotos
Cuido das flores, conto as fases da lua
Te desenho em diferentes ângulos, diferentes rostos.
E nada.
Eu quero sossego, quero algo a mais para dizer,
Quero achar em meus braços, aconchego.
Quero me achar no mundo, te perder.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

atos

Era noite de inverno; quase não chovera na semana e Sophie estava ansiosa, e apreensiva ao mesmo tempo. Ela era pequena e clara; tinha uma coleção invejosa de sardinhas no rosto, e seus cabelos transitavam entre louro e castanho; muitas pessoas achavam-na belíssima, sem que ela mesma pudesse concordar com tal afirmação. Era delicada por fora, rígida por dentro. Não gostava de exibir sentimentos pelo simples fato de as pessoas estarem acostumadas a dar um tiro em todos eles... O medo consumia seu coração há tanto que, naquela noite, naquele carro, tentou fingir que não estava sofrendo com a situação, que nada tinha muita importância.
Era noite de inverno; os vidros se embaçavam a cada frase vergonhosamente dita. Sentado ao seu lado, Mathew, um garoto de sorriso branco e coração enorme. Não se sabia dizer quem estava mais constrangido: ele colocava e tirava as mãos do volante a cada início de pensamento.Ela estralava os dedos e mexia nos cabelos... Depois estralava os dedos denovo.

- ... É complicado. Não quero machucar ninguém.

- A gente pode dar um jeito, se você quiser.

Ela queria que Mathew tentasse mais... Queria que ele quebrasse a fechadura que estivera há tanto em seu coração,e entrasse fazendo estrondo. Queria ter a certeza de que todo o tormento não seria em vão, de que ele realmente preferiria estar ao lado dela à continuar o falso romance sem explicação do qual vinha fazendo parte, com uma de suas amigas.

Sophie engoliu seco. Riscou desenhos indecifráveis no vidro borrado, e sem olhar nos olhos de vidro de Mat, deu uma desculpa qualquer, escondendo o real motivo : era covarde. Não tinha bravura bastante, nem graça suficiente para erguer o queixo e arriscar e, pela falta de insistências maiores, deixou, naquela noite, o carro ir embora de sua rua, deixando cheiro frio, o dia cinza.

Hoje, é noite de inverno. Chove há semanas e a chuva só abafa os gritos internos da menina com sardinhas sortudas; gritos pedindo outra chance, gritos clamando por um hiato sabor chocolate em sua vida-lama. Sophie só queria poder repetir aquele dia... Queria poder assumir o controle, tomar o volante, e não frear ainda que a curva fosse perigosa.
 
For the one who tried so hard to take a place in my heart, and I refused to let him in. I'm sorry for being in love with you right now.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

RETRATO


Eu moro ao lado de uma igreja.
Isso me irrita, pois não é justo ouvir sempre os mesmos coros com músicas que no fundo ninguém sente de verdade, que no fundo ninguém entende. Mas uma coisa é boa: os sinos. De hora em hora eles tocam pra me lembrar de que a vida ainda respira, pra dar um tranco e me fazer voltar ao normal.
O sino tocara a segunda vez aquela tarde. Dessa vez, com preguiça de levantar, fiquei enrolando os cabelos e as pernas entre travesseiros, amargando meu dia com pensamentos da semana passada, do mês passado, de anos que mal parecem ter acontecido. Isso não alegra as pessoas da casa.
Meu pai, homem maduro - em todos os sentidos cabíveis – decidido e generoso, é um exemplo forte dos que lutam contra minha apatia caseira. Naquela tarde, entrara em meu quarto como já fizera tantas vezes, para me dar uma bronca de abaixar orelhas e me lembrar de que já não sou mais uma menina... Ótimo, mais um problema.
Discordo de quem diz que a vida na adolescência é a mais difícil de lidar; geralmente quem diz isso é que ainda é adolescente... Não, não: depois piora. Se você que está lendo é irritantemente sensível, frágil e pensativa, dramaticamente dramática, explosiva e também implosiva, saiba que depois as coisas sempre pioram. Mais pra frente, você verá que os problemas obtidos na época em que lhe apareceram pelos pubianos, só vão coçar e ficar maiores; não importa o quanto tente arrancar de si, a raiz está incrustada em sua derme, e não vai sair.
Além disso, vê-se a nítida e crescente responsabilidade enquanto ser humano: a de não desapontar as pessoas, a necessidade de encontrar rapidamente um rumo na tua vida, e segui-lo. A de crescer em todos os aspectos, mesmo que em alguns deles você ainda seja a mesma bobinha chorona que pede conselhos aos ursinhos ganhados no último natal.
Pois bem, após o discurso de como eu não servia para nada, fui realizar as tarefas domésticas, e uma delas era cozinhar um sorriso no rosto do meu pai. Comecei visualizando meu quarto e percebi que eu estava a externalizar meus sentimentos: uma saleta com cara de foto 3x4, sem graça e existindo por mera convenção; livros jogados, cheiro de mofo, escuridão, cama bagunçada com o lençol do mês retrasado. Just like my heart.
Me senti uma assassina. Como eu podia deixar tudo aquilo à vista de todos, matar a felicidade alheia com a minha derrota? Como eu tinha coragem de compartilhar toda a confusão instaurada há não sei quanto tempo na minha cabeça miúda e estúpida, com as pessoas que amo? Com as poucas que me mostram o mesmo...
Eu estava fazendo a mesma coisa que fazem comigo; fazendo das pessoas, cinzeiros! Jogando tudo que há de ruim pra fora; depositando as cinzas de um trago mal dado em quem detesta cigarros. Eu estava empesteando o dia-a-dia alheio com cheiro de amor mal resolvido, e eu nem me importava com o efeito que a droga causaria nas pessoas.
Continuei a inspeção ao redor e dentro de mim e avistei uma teia de aranha. Meu coração clamou por reformas... Tirei um cigarro do bolso surrado, traguei profundamente e comecei a faxina.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Aversões


"I've written pages upon
pages trying to rid you 
from my bones"


Pudera eu ser indiferente à indiferença,
Eu queria ter o poder de secar a mente de toda a lama esguichada nos ouvidos, cuja sujeira é tanta ao ponto de escorregar pelo pescoço, mas travar na garganta.
Queria ter forças para levantar a caixa embolorada de mentiras e mesquinharias,
e jogá-la sacada abaixo.
Quisera eu não sentir raiva de mim por sentir raiva em me importar com aquelas pessoas que disseram se importar com a minha raiva.
Eu me perco em mim e sinto raiva disso também.
Estarreço-me ao ver que a menina cuja coragem e segurança eram intactas,
é a mesma que rascunha versos sem ritmo na tentativa de ser ouvida;
é a mesma rodeada por fantasmas surdos e covardes, tentando se esconder na velha e falha tática do lençol branco.
É a mesma que os teme como se fossem de verdade.
Tenho raiva de saber quem eu sou e mesmo assim não conseguir.
Tenho raiva de saber quem são e de saber que conseguem, mesmo sem saberem quem são.
Raiva da mania que têm de mostrar o que (parecem) ser.
Tenho raiva das palavras:
Enrolam-se nos dós de meus dedos com medo de deslizar; quando deslizam, não chegam a quem devia. Tenho raiva das palavras.
Raiva por elas significarem tanto e ao mesmo tempo nada. Raiva por uma atitude esfolar mais a cara do que uma vida inteira paginada.
Pudera eu ser indiferente aos indiferentes,
Falsa aos falsos,
Amável o tempo todo.
Pudera eu deixar o tempo partir.