terça-feira, 29 de junho de 2010

Breves dizeres ao Nada.

Até quando terei que esperar-te? Esperar meu doce, velho amigo,


O amigo que não conheço, meu amado inimigo.

O que me tira suspiros por noite adentro,

Aquele que me fatiga a carne, expõe-me a alma,

Tira-me a folga, a luz, tira-me a calma.

Até quando deixarás o lençol gelado?O travesseiro sem dono...


Meu sangue batendo nas veias sem motivo algum!

Por que queria ele encher-te a boca de vinho ardente,

Queria ninar-te, ao pé do ouvido, segredos esquecidos,

E derramar por todo seu anônimo ser a paixão,

O selvagem, O quente. A loucura enjaulada há tanto.


Por que me deixastes no abandono...

Abandonas o que nem conheces. Abandona-me e

Deixa-me com gosto amargo na boca,

Por nunca ter provado gosto algum. E mesmo assim,

Me persegues por esquinas, bares, projeta-tes em janelas,

Copos, projeta-tes em outros homens, outras bocas,

Outros sexos...

Mas sei que não és tu.

Tenho certeza de que me observas, testas minhas forças,

Minhas sinas, meus desejos... E sei! Tu consomes-te de ciúmes,

Roes as unhas quando vês que caio em tua própria armadilha...



Arrepende-te, e tomas tua falsa versão de mim,

Abandonando-me duplamente,

Acabando com o resto de ser que resta dentro de mim.

Perco-me, procuro-te; não acho mais nada...

Nunca acho. Deliro, definho... morro por ti.

Amado amigo, meu desconhecido.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Exorcismo - Ato VII


Estava no meu quarto, e em minha visão periférica, aquela barata totalmente desnecessária apontava as anteninhas para mim, roendo o que restava de útil no meu quarto úmido.
Eu já a expulsara de minha vida tantas vezes... mas ah, ela não entendia! Não poderia também, devido sua condição pré-determinada de asqueroza barata... A culpa era minha, então?...
Como eu, ser racional, fui me apaixonar por um serzinho quitinoso? Que entra sem pedir, que bota medo, que confunde as pessoas (você nunca sabe pra onde as baratas vão)...
Agora que o animal me conquistara, eu percebera sua inutilidade em minha vida. Eu nunca precisara de baratas, não seria agora que...
Estaria eu me acefalizando também? Tornando-me burra, jumenta, sem razão e, por fim... Barata? Não, não podia ser! Precisava me livrar de uma vez por todas daquilo.
Eis que me recordo do veneno guardado na última gaveta do meu quarto. Já o deixara lá em ocasião do serzinho aparecer denovo para me lembrar de sua irritante existência.
Mas o veneno nunca funcionava, e eu não entendia...Já havia matado tantas outras baratas, mas essa sempre acabava voltando, ora ou outra. Tanto tempo perdido tentando entender os motivos e os sentimentos daquela coisinha marrom; não dá. Baratas não são para serem entendidas.São metamorfoses de outros bichos mais bonitinhos, e entram em nossas vidas para causar transtorno, fazer bagunça, deixar rastros e mau cheiro.
Aquela deixara os maiores rastros possíveis em mim, em minha cama, em meu corpo e sentido... Já não havia por que dar outra chance.Nunca houve...
Andei lentamente pelo quarto e peguei o veneno inútil na gaveta; num reflexo de tempo, girei na direção da maldita e acertei-a bem no meio da fuça pequena. Ela tonteou, como previsto; ficou um tempo inativa e, após dois ou três minutos, começou a se mexer novamente, mostrando que a batalha não havia sido vencida. Como não bastasse, veio largamente parar sobre meus pés, preguiçosas... Como que pedindo redenção.

A ação veio de dentro de mim.

Pisei com força naquele corpo miúdo que mal tanto já havia me causado. Girei o calcanhar para certificar-me de que suas entranhas ficariam devidamente presas no meu sapato, e que suas impressões macilentas ficassem precisas no chão branco. Na hora, senti-me fraquejar, vacilar os joelhos e suar o rosto; um arrependimento enorme tomou conta de mim, tão grande e tão forte que tive vontade de chorar. Afinal, aquela miseravelzinha fizera parte de minha vida... Agora,era um bolo de vísceras fedorentas e patas amassadas.
Mas depois, senti alívio...

Enfim, eu poderia ter uma vida normal; enfim, eu poderia andar pela rua, cruzar esquinas e bueiros sem a preocupação de me encontrar com aquela que, por mais insignificante e claramente odiada por todos, havia feito uma revolução em mim. Havia mexido em meu ser, bagunçado a minha dor e, agora, não era mais do que simples barata apanhada. Mera lembrança de vida pausada. Paixão apodrecida, amortecida e esmagada.

Para quem por tanto tempo brincou de ser gente, e no fim saiu voando da minha vida feito barata.

domingo, 6 de junho de 2010

PERMANENTE

Ela estava cansada; cansada, e com dores nos pulmões. Não era o tipo de doença que matava aos montes as pessoas na década de vinte, não. Mas estava doente e não sabia bem se devia sair de casa naquele feriado; fazia frio... Ainda assim, saiu. A amiga, a qual não via há quase meio ano a animava como ninguém... Aqueles olhinhos apertados de bolinhas de gude.
Comportou-se. Não bebeu. Quase não riu também... E enquanto todos se divertiam percebeu que, na verdade, seus programas agora só faziam graça se ela estivesse bêbada ao ponto de não lembrar de atos, fatos e pessoas...Sentiu-se fora de prumo.Tomou um gole de suco. Engoliu seco, e sorriu para a amiga afastada. Depois de copos virados, conversas torcidas e meias rasgadas, resolveram todos dançar... Ela adorava dançar, como gostava! Mas estava ruim dos pulmões... Foi, mesmo assim.
Luzes, música, sorrisos... O mundo em volta girava num compasso diferente do dela, seus pés doíam e a vontade de ir embora e ver um filme era grande... Como andava diferente, ultimamente. Eis então, que encontra um velho amigo...
Ele vinha em sua direção, daquele jeito esquisito e desengonçado, certamente que pensando se falaria ‘Oi’ ou não... Usava uma camiseta verde escura (ou preta, confundida pelo som das luzes) e uma jaqueta de couro por cima... E estava cheirando à velha timidez de sempre... Ele falou com ela. Ela sentiu a alquimia. Aquele rosto correto e sorriso simétrico a fizera tão bem um tempo atrás... E ela arruinara tudo. E agora, o mesmo sorriso sem jeito, olhando pelos cantos, fazia contato novamente.

“Que bom, ele não me odeia completamente!” gritou por dentro.

Por um momento, os pulmões pararam de doer, e a fraca menina provou com gosto as palavras difusas, as trocas de informações rápidas e o “Já volto” do velho amigo.
Voltou para casa com a marca do abraço, a alegria do reencontro, a possibilidade da aproximação... E dormiu com os olhos pregados no menino de sorriso correto.