sábado, 23 de janeiro de 2010

Fire





Estou inflamando. Estou queimando num quarto vazio.
As paredes que antes eram amigas agora pressurizam minha alma...
A inconstância, a aritmia dos meus sentimentos me consome, definha-me a vontade de tentar coisa alguma. Talvez eu não precise passar a vida tentando, afinal. As juntas de meus dedos cansados já não podem mais com a mesma faca cega. Aquela impiedosa faca que não corta, mas machuca pouco a pouco, a cada esmurro no escuro.
A falta do já tido vez ou outra bate à porta, e eu, tão tola e impulsiva – como já dissera a minha falta mais iminente – abro passagem e ainda sirvo um chá. Acomode-se, saudade! Fique mais um pouco.
Pudera eu ter feito as coisas de forma diferente... A hipnose que consumira-me os dias de março de forma tão extraordinária, ainda estaria ecoando em meus sonhos como nota correta, estranha...
Sinto que ando escrevendo capítulos rascunhos de minha vida. Rabisco rapidamente para não perder a idéia, a vontade de chegar ao clímax, e acabo pulando certas coisas insanas e essenciais. Não sou mais do que personagem inacabado, quase inútil e decididamente frustrado. Fantasmas de meus livros passados entram sempre pela janela – sempre aberta, sempre tola – para lembrar-me que a estória não fora terminada. Faço eu o que?
Pra que pensar e tentar? No fim das contas você percebe que suas tentativas são furtivamente deixadas de lado, e as pessoas que não pensam na vida são levadas a sério, na vida.
Decidi deixar a vida me consumir... Vem-me a súbita vontade de preencher minhas veias batidas com credulidade. Não mais espanto perante fracassos. Fracassos saltam na minha frente como coelhos apressados, querendo que eu me desvirtue da vida racional, e perca tempo demais dando atenção demais às falhas.
Estou inflamando, estou queimando meu quarto vazio. E, como sempre, água alguma cessa-me a inquietude.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

SOLO



Eu tomo um café, eu tiro o pó dos pés,
Enrolo pernas, lençóis, sonhos,
Brinco de ser companhia de mim mesma.
Eu olho pro mar do céu, mudo aqui e ali as estrelas que incomodam.
Limpo o breu dos teus olhos, dou risada do espelho.
Eu transito entre as ondas do teu cabelo,
Entro pelos botões da camisa, viro teu suor, tua sina.
Sou o fantasma da noite, amante da luz da lua.
Eu roubo a luz roubada da lua.
Eu mancho-te a pele de lira escura,
Penetro em teu rio, deleito em tua alma
Bagunço teus livros, eu risco tua calma.
Eu entro em teu quarto, eu viro devaneio,
Descubro teus anseios e te desejo e desejo.
Eu viro tua bebida mais forte,
Eu rasgo-te a carne com metal reluzente.
Eu grito em teus ouvidos o desespero da noite,
Eu sou tua morada, tua consciência ausente.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Singelo



Ele era verde,
Ela amarelo.
Ela era gelo,
Ele martelo.
Ele era música,
Ela dança.
Ele era adulto,
Ela criança.
Entre todas as coisas, ele era lira
Que entrou nos seus olhos, abriu sua mente,
E virou poesia.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Passado



É estranho ouvir a si quando o externo se aquieta.
O coração respira compassadamente,
a pele ouve, sua, sente.
A boca balbucia coisas sem sentido.
Quando a casa cala, os fantasmas aparecem.

incidente da menina e o cachorro



No vai e vem de ruelas e fumaça, a pequenina seguia para mais um fim de dia exaurido em papéis, cansaço, papéis.
As calçadas encardidas falavam com os pés ágeis da garota, que simplesmente as ignorava com um ar de estarem cansados demais para dar atenção a elas. Seus passos trôpegos seguiam os comandos de um corpo miúdo, batido, e corriam diretamente para o aconchego do lar, do café materno e dos lençóis recém lavados; sua mente, contudo, vagava por dentro dos carros, capacetes, guarda-chuvas e tudo o mais que pulsava a sua volta. Sim, guarda-chuvas podem surpreender!
Seus olhinhos oleosos pelo vento úmido vagavam sem parar no semáforo, sem andar na faixa. Uma quadra,um vendedor de sorvete, duas quadras... Um cachorro.
Um cachorro.
Postava-se ali, logo a sua mínima frente, o cachorro remelento que todas as outras divagantes mentes insistiam em chutar com seus sapatos, sujos da merda do mesmo cachorro. Sim, a vingança acontece em todos os planos.
Ele estava ali, sem se importar com sua vida animal, sem queixar-se das pulgas que provavelmente estariam roendo-lhe as orelhas caídas. Os pelos eram de um marrom turvo, envelhecido, e seu focinho matuto tremia vez ou outra. O que mais a fascinou, porém, não foi a aparência ridícula e corriqueiramente canina, mas a posição do animalzinho... ele dormia em pé. Absurdamente ereto, a cabeça pendendo para o lado e os olhinhos delicadamente fechados, como se o torpor da vida humana com seus carros e egoísmo não existisse. Como se nada mais prazeroso houvesse que uma soneca no asfalto ardido. Um cão. Sem nome ou peripécias a contar, e sem depositar mínima atenção à pequena mulher translúcida parada na sua frente.
Ela mal piscava. O que tentara a vida toda fazer e raramente conseguira, um singelo pulguento fazia com facilidade na calçada... Abstrair-se.
Todos os sons, palavras cuspidas e movimentos começaram a enojá-la... Será que ninguém havia notado o ilustríssimo cão? Ninguém, mas ela, ficara impressionado diante tamanho poder sobre si mesmo? Não, ninguém se importava. A correria continuava sem nunca dormir, e os terninhos que se escondiam debaixo dos guarda-chuvas exalavam indiferença diante da vida alheia. Não mudaria se fosse um peixe fora d’água.Não, não mudaria se fosse um leão.
Tomando fôlego, desejou intimamente possuir aquela alma canina, e, despedindo-se da imagem, continuou a caminhada, com o coração na contra-mão.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

CATARSE

Você entrou na minha vida do nada, sem pedir passagem ou permissão, como aqueles ventos que invadem a nossa janela em noites monótonas. E o vento era agridoce, calmo, que me aconchegava e me fazia pedir mais, sedenta não só pelo vento, mas pela tempestade que temia também por vir. Eu ansiava por teu cheiro de terra molhada, queria ficar cega com sua luz, surda com sua voz trovão. Queria tudo e ao mesmo tempo nada... Só a amizade já me faria aquietar o espírito. E você, como que lendo nas entrelinhas do meu pensamento, fez por merecer e tomou minha mente por dias a fio.
Esses dias causaram deleitamento profundo em meu coração, cabelos, pele, mãos. Sentia-me feliz por meus dedos conversarem com seus risos nas horas monótonas do trabalho e, vez ou outra, escutar sua voz constipada, falha e internamente doentia pelo telefone. Era uma droga pra mim, daquelas que te deixam no perfeito estado de querer fazer tudo e nada ao mesmo tempo, e ao fim só contemplar como as coisas não eram tão ruins como eu pensava.
Do nada, sem mais ou motivos, o vento cessou. Minha pele secou, meus olhos – antes cegos e felizes – agora voltam a enxergar a dureza dos dias de escritório, a verdade crua de que, na verdade, isso nunca existiu. Drogas provocam alucinações, ficou comprovado. Um ano inteiro de tempestades, bater de janelas, arco-íris, e hoje... Nada. Somente a aridez dos dias roendo-me a garganta e dando coceira. Esse ardor há dias mastigando meu estômago, me cutucando no interno desejo de querer fazer o que meus dedos agora fazem a vez, explodir.
Não sei por que ainda perco tempo ritmando palavras das mais variadas formas, pra ver se a sua atenção é chamada - você não merece – muito menos entendo porque minha mente insiste em pensar que um dia você vai voltar e delicadamente por a ordem tão confusa e desaprumada de volta. Na verdade, meu coração não quer mais isso... Isso são só minhas veias pulsando incompreensão qualhada, esperando que as palavras de alguma forma me limpem os canos, vísceras e sentimento. Nada mais é também do que um ponto final que imponho a mim mesma.
Se um dia tiver a remota idéia de pensar em me procurar, que a acidez te corroa os pensamentos e nada sobre senão gesso. E se um dia o arrependimento pela ausência repentina tomar seu ser, quero que tenha consciência de que as janelas se quebraram, a grama está seca, e as estradas que nos separam saíram do plano do asfalto pra entrar no do orgulho; você perdeu a oportunidade de ver o melhor de mim, meu melhor lado e cor.

E essa cor não volta mais.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Progressiva

Erga a cabeça, limpa teu céu
sê presente, pensante, agente.

O tempo conta denovo...
Tire-me o folego desta vez.