segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Quando danço


Me toca lá no fundo a situação de eu ser tão íntima de mim quando a arte me vem falar no ouvido e tão afrouxada e inconsequente quando os instintos me batem mais  adentro. Aquilo que a gente chama de vontade própria se perde constantemente; não pelo fato de ela não existir e sim pelo fato dela se tornar tão latente e tão vividamente presente dentro do meu ser que ela se estabelece como vontade própria de si mesmo e acaba me perdendo por inteira. Talvez isso aconteça porque estou cada vez mais consciente da minha condição de árbitra sobre a minha própria vida... O que me confunde, porque se a dádiva que os céus nos espichou na cara e nas entranhas é a de termos o livre arbítrio para decidir sobre as coisas, meu ser deveria obrigatoriamente me deixar livre de mim, para que eu tomasse as minhas próprias escolhas, sem que lá dentro de mim o apito estivesse soando quando cometo alguma falta. Na verdade Deus é um cara muito esperto, porque Ele me deu o livre-arbítrio mascarado e colocou por dentro dos meus ossos, da minha boca e das minhas crenças a tal da Consciência: aquele zumbido que parece sair dos travesseiros e fica tiritando pelos nossos cabelos as coisas das quais fizemos e Ela desaprova. A Consciência tem vontade própria, tem o livre arbítrio de Deus para me julgar e barrar as minhas outras vontades, que por serem tão grandes assumem própria vontade-própria e me explodem em absorta confusão. Mas estou fugindo do ponto aonde queria chegar (essa história de vontades e não vontades me rende outro falatório a parte deste): O que eu quero dizer, no final das contas, é que quando estou em contato com a arte meu ser se mergulha em bálsamo e todos os seres inquisitivos que moram dentro de mim adormecem. É quando eu consigo, por frações de segundo, olhar pra dentro, bem dentro de mim e sentir a pasmicidade do reencontro, depois de sentir tanta saudade de mim. E aí meu espírito pula feito criança, quer rebolar, saltitar, fazer-se visto! Já que na maior parte do tempo ele se esconde frouxinho atrás de tantas vontades querendo se valer por cima das outras. Não que essas outras vontades não sejam boas, são sim; elas rumam minha vida de um jeito sinuoso e brincalhão que no fundo eu sei que gosto de ser. Mas a brancura da minha existência, a razão de eu estar dentro de mim só se faz altiva quando em contato com a arte, essa que consegue ser tão perspicaz e que ninguém consegue tangê-la de fato; e ela brinca comigo e se esconde por detrás dos meus caminhos de uma maneira que me dá cócegas de inquietação. É nessas horas que meu corpo se alerta às dicas dela e tento pegar em seus cabelos; são nesses pequenos surtos de lucidez (a que os loucos chamariam de insanidade ou abobrinhas) que a minha espinha se eriça e eu consigo falar pra mim mesma o que acontece dentro de mim... Até o momento em que minha mente se cansa de segurar a Consciência no sono pesado e ela vem algazarreando tudo de novo de cima abaixo. Aí eu me afrouxo novamente e me deixo levar pelos dias e pela contagem tosca que a minha Consciência faz dos meus ganhos e acertos, dos meus fracassos e feitiços, tudo sempre metodicamente planejado e escancaradamente anunciado pra mim mesma diariamente, sem que eu tenha tempo de pensar por vontade própria se estou certa ou não. Agora, por exemplo, leio esse texto e me parecem abobrinhas.

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